José Maurício Amendola
Eu e meu companheiro de rádio
José Nelson de Carvalho, já falecido, metemos os peitos e compramos uma emissora de rádio em
Ribeirão Preto. A Rádio Colorado. Foi fera competir com os experientes e
grandes radialistas de lá. Concluímos o negócio e assumimos a Rádio Colorado na
tarde do dia 30 de março de 1964. Fizemos algumas disposições, algumas mudanças
nos móveis e nas salas e tudo o mais que acontece numa mudança.
Acabamos dormindo naquela
noite na sala onde ficava a discoteca. Com todo o trabalho durante o dia todo e
a emoção vivida de possuir uma estação de rádio numa importante cidade como
Ribeirão Preto, eu que já era dono da Rádio Cultura de Ituverava, o sono veio
pesado, dormimos gostoso, acho que até sorrindo.
De repente, por volta das
cinco horas da madrugada do dia seguinte, 31 de março, fomos acordados com um
violento e assustador pumpum... pumpum...pumpumpuuummm...
José Nelson e eu levantamos
meio atordoados, abrimos a porta da discoteca e deparamos surpreendentemente com
o locutor do programa sertanejo com cara de assustado. Foi aí que vimos uns dez
soldados com armas nas mãos pedindo que fôssemos nos vestir, pois nós dois
estávamos só de cueca. Ainda era cueca tipo samba-canção. Entramos na
discoteca, vestimos roupas adequadas e só então ficamos sabendo que quem
mandava daquele dia em diante no Brasil eram eles, os militares.
Tadinhos de nós, de mim e do
Zé Nelson. Fomos para Ribeirão com tanta vontade, e na madrugada seguinte já
ficamos sabendo que seria melhor a gente trabalhar com outras coisas.
Vocês não podem mais fazer
noticiário, se fizer não podem falar nada contra o governo. Eu disse a eles que
a gente estava tomando posse da emissora naquele instante e que ainda elaborávamos
uma programação para todos os dias.
“Então, não programem
noticiário nenhum, estamos entendidos?”, disse o chefe deles. Era o coronel,
acho que era coronel. O cara decidiu: “às três horas da tarde vocês vão à Delegacia
de Polícia para uma entrevista com o meu superior, mas vejam bem, é só ele que
vai falar. Entenderam?”
Entendemos, claro, o que dois
pobres coitados podiam fazer, não é mesmo?
Eu fui com o microfone e a
maleta de som. Os demais colegas radialistas ribeirão-pretanos também. Nenhum de
nós perguntou qualquer coisa. A “entrevista” foi só para avisar a população como
seria o modo de vida daquele dia em diante. E dias depois fomos convocados para
que nossas emissoras transmitissem a papagaiada do “Ouro Para o Bem do Brasil”.
Milhares de pessoas doavam anéis, colares, medalhas, tudo de ouro, só ouro. E
isso aconteceu no Brasil inteiro.
E onde foi parar o “Ouro Para
o Bem do Brasil”? Ninguém soube. Ainda bem que eu não tinha ouro nenhum, e
ainda não tenho.
Nesse meio tempo os
adversários do Welson Gasparini, que tinha sido eleito prefeito de Ribeirão
Preto há pouco tempo, começaram a fazer futricas junto aos generais, e lá ia o
Gasparini quase toda semana a São Paulo para prestar esclarecimentos no Segundo
Exército. E nós, radialistas seus amigos, nos reuníamos e combinávamos de, se
preciso, caso Gasparini fosse cassado, nos colocarmos diante do Segundo
Exército para protestar contra a perseguição ao Gasparini. Os generais, no
entanto, acabaram por deixar o prefeito de Ribeirão em paz.
Muito tempo depois os
generais cansaram do Poder e entregaram o Brasil para os políticos. A verdade é
esta: eles entregaram naquela época, ninguém os tirou, eles entregaram. Tanto
que não deixaram, com a ajuda de Sarney, vingar as Diretas-Já. Estão lembrados?
Depois arrumaram o Tancredo para presidente, com Sarney para vice. E daí pra
frente, todo mundo sabe.
E foi isso que aconteceu
comigo no dia 31 de março de 1964.
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