terça-feira, 9 de abril de 2024

 

Dia da mentira uma ova...

José Maurício Amendola

Eram cinco e meia da manhã, mais ou menos, do dia primeiro de abril, quando acordamos com um barulhão danado causado por batidas nervosas na porta do quarto onde dormíamos, que era a discoteca da Rádio Colorado em Ribeirão Preto.

É o seguinte: José Nelson de Carvalho e eu éramos os novos donos da Rádio Colorado, em Ribeirão Preto. Nós assumimos a direção da emissora de rádio no dia 31 de março de 1964, cujo proprietário era Salvador Salerno, um parente distante meu, morador de Ribeirão Preto. A Colorado ficava bem no centro da cidade, a poucos metros da Praça 15 de Novembro.

Quem, às seis horas da manhã batia freneticamente à porta da sala onde dormíamos, era o locutor que fazia o programa sertanejo da Rádio Colorado. Eu gritava “calma...calma...” E ele dizia nervosamente “abre a porta...abre a porta...” até que abrimos, mas com uma cara de sono de dar dó.

Ao abrirmos os olhos direitinho deparamos uma meia dúzia de soldados do Exército Nacional com as armas apontadas para nós, e o Zé Nelson, com as duas mãos à cabeça resmungava: “Que isso, quê isso?”

“É o seguinte (respondeu um deles): o exército brasileiro assumiu o governo do Brasil e vocês, da Rádio, não podem mais fazer noticiários ou comentários do que acontece no Brasil. Agora é só música. Entendidos?”

O recado foi dado.

O que o Zé Nelson e eu poderíamos fazer? Nós dois, coitadinhos, sem armas, sem nada, sozinhos no mundo, o que podíamos fazer, não é mesmo? Puxa vida, o que podíamos fazer?

“Entenderam? – berrou um deles. Agora eu posso falar “berrou”, mas naquele dia, naquela hora (seis horas da matina) eu engoli seco e respondi quase sussurrando “pois, não, senhor coronel”, sem saber se era coronel, tenente, sargento ou marechal...”

Daquele momento em diante não podia a Rádio Colorado de Ribeirão Preto dar notícias sobre o governo federal, sobre a situação no país...nada, nada nada, só música... Aí, um deles disse que um representante da emissora deveria estar, obrigatoriamente, toda terça-feira, às 10 da manhã, no quartel do Exército Brasileiro, de Ribeirão Preto. “Não esqueça”, bradou outro deles.

Já viu, né? Eu é que ia enfrentar o dito cujo, acho que era um coronel, mas, com o tempo não tínhamos mais o que falar sobre a “segurança pública nacional” e a coisa foi esmorecendo a tal ponto que o coronel resolveu não precisar mais contar com a minha presença ali, no quartel.

Foi bom terminar com aquela obrigatoriedade de lá comparecer. Afinal, que perigo eu poderia oferecer para atrapalhar os planos do chamado golpe dos militares, mas que eles diziam “revolução do povo brasileiro”. E não apareci mais lá.

Não apareci mais no quartel do exército brasileiro, mas fui “convidado” a transmitir o “show” do “Ouro para o bem do Brasil” ali no centro de Ribeirão.

O que era isso? Ouro para o bem do Brasil?

Isso aconteceu nos grandes centros do país. O negócio era o seguinte: era realizado um show com cantores e artistas das cidades mais importante do país e, no meio disso, o locutor do show dizia ao microfone: “E agora vamos receber e aplaudir a senhora fulana de tal, daqui da cidade, que, patrioticamente, vai doar uma valiosa joia dela para o bem do Brasil.” A senhora fulana de tal subia ao palanque, com cara de gente rica, dizia uma palavrinha, e fazia a doação e o povão aplaudia com entusiasmo.

E essas doações aconteceram em várias partes do Brasil, mas parece que ninguém ficou sabendo sobre o fim disso tudo, ou seja, o que fizeram com o “ouro para o bem do Brasil...”, e

não sou eu que vou querer saber o que virou o “ouro para o bem do Brasil”.

Hoje, fico pensando, pensando...gente do céu, eu torci e votei para três militares para presidente: torci para o brigadeiro Eduardo Gomes duas vezes para presidente do Brasil e votei duas vezes em generais para presidente: o general Juarez Távora e o general Teixeira Lott. Ambos, honestos e bem intencionados, foram derrotados. E um capitão mequetrefe, que nem o Exército Brasileiro o suportou, foi apaixonadamente eleito pela maioria do povo brasileiro e, por um milagre, não foi reeleito.

Rêrrê Brasil, pátria amada Brasil salve salve-se quem puder...como dizia o Elias lá no Bar da Esquina, em Ribeirão Preto...

 

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